A AVE DO AMOR POUSOU
A ave do amor pousou no meu coração e eu não entendi de
imediato, pois era naquele tempo um frágil filhotinho que necessitava de todo
meu carinho.
Amei de forma incondicional este ser delicado e tão
especial que a partir de então estaria sob os meus cuidados.
Era tão imatura e não entendia direito o que se
passava, mas uma coisa compreendia muito bem. Que o amava intensamente e nós
dois teríamos um longo trajeto a seguir. Era o caminho da evolução de duas
criaturas.
“Eu” teria que crescer no sentir e no entender. Sim,
entender os reais motivos de estarmos aqui neste planeta um pouco hostil, um
pouco acolhedor.
“Ele”... bem, vou contando... vou começar do começo.
Aguardava com tantas expectativas em minha vida este
ser que meu corpo abrigava e meu coração sem conhecer já amava.
Dias antes de sua chegada aqui neste mundo eu tive um
sonho ruim e acordei desesperada.
Ele estava se desenvolvendo dentro de mim, quase na
hora de nascer, e eu sonhei que a criança que estava vindo era desprovida de
visão física.
Um filho cego? Deus! Aflita como estava fui procurar
minha mãe que morava perto. Corri em busca do colo que só ela podia me dar. Ela
me falou que muitas mulheres preocupadas demais costumam ter destes sonhos e me
recomendou que esquecesse e tratasse dos últimos detalhes. Falou que eu devia
continuar aguardando a chegada de meu filho com o coração leve.
Sei que ela quis me tranqüilizar e tratei mesmo de
esquecer.
O quartinho que eu estava preparando para ele estava
lindo. Tudo em amarelinho, porque eu sentia no coração que esta cor o
agradaria.
Bem, chegou o dia de seu nascimento. Talvez nenhum
outro dia tenha me marcado tanto. Doze badaladas na igreja matriz da cidade
marcaram sua chegada e quando me mostraram o meu filhinho eu comecei a chorar
como se ainda fosse uma criança. Ele era lindo e tinha uns olhos de matar.
Lindos, enormes. Estavam abertos e a claridade não parecia incomodá-lo. (Esta
sensação jamais vou apagar).
Fui encaminhada para o quarto, ele para o berçário. O
que eu mais queria era tê-lo junto a mim, mas não era permitido.
Então eu ficava olhando o teto e via aqueles olhos
castanhos dançando.
Olhos lindos demais e marcantes.
Eu ouvira dizer que as crianças de antigamente
demoravam um tempo para abrir os olhos, mas como os tempos mudam ficava sem
saber o que pensar. Meu filho já nasceu de olhos arregalados. Como sempre fui
de viver meus conflitos comigo mesma nada comentei com ninguém. Minha mãe diria
que eu estava vendo chifres em cabeça de égua e os outros poderiam dizer que eu
era uma moça assustada com a maternidade.
Bem, em poucos dias estávamos em casa e eu o curtia
intensamente. Afinal era meu primeiro filho, o tão esperado.
Percebi que havia algo com seus olhos, mas como ele reagia
à claridade, isso me tranqüilizava um pouco. Cego ele não era.
Porém, como existe um ditado que diz que coração de mãe
não se engana...
Lá no fundo algo me dizia existia um problema em sua
visão e eu queria tirar todas as minhas dúvidas.
Por pura insistência minha ele foi visto por um
oftalmologista antes do terceiro mês de vida e foi constatado que ele era
portador de uma miopia altíssima e de um problema nas retinas. Problema muito
sério.
Difícil falar de uma criança com visão subnormal. É uma
dificuldade e tanto, pois ele precisou se adaptar a um mundo que enxergava à
sua maneira.
Muitas vezes pensei que o mundo não está preparado pra
canhotos e para os portadores de deficiências físicas. Senti tudo isso na pele
vendo meu filho encontrando tantas barreiras. Ele passou por muitas
dificuldades mesmo. As pessoas na sua maioria são preconceituosas e não parecem
compreender que não nascemos para sermos todos iguais.
Com sua pobre visão aquela criança maravilhosa tinha
uma forma peculiar de enxergar o mundo e o demonstrava a cada instante. Estou
para conhecer alguém mais otimista e mais afetuoso.
Se existe um nome que o define este nome é superação.
Ele sempre tinha à sua frente um obstáculo, uma
barreira que não o intimidava, felizmente. Sempre foi um guerreiro.
Mas meu filho foi crescendo precisando de muito mais
cuidados.
Nos estudos foi lastimável tudo que aconteceu. Como o
ensino está aquém das necessidades de uma criança com visão subnormal!
Ele sempre teve algo a seu favor, eu sempre estava ao
seu lado amparando-o da forma que ele mais necessitava. Ajudava-a procurando
não demonstrar meus cuidados excessivos, pois sabia que desta forma podia
fazê-lo sentir-se inferiorizado e incapacitado. Ele precisava de sua força
interior, mas necessitava do apoio dos pais no sentido de incentivá-lo,
encorajá-lo.
Acompanhei seus passos dando o melhor de mim, nos
estudos fui o seu esteio. Muitas vezes fui um pouco os olhos que ele
necessitava, até que a vida por si mesma foi colocando cada coisa em seu lugar.
Eu digo que cresci no sentir, porque na pele provei
muitas dores, mas ele cresceu de uma forma intensa como ser humano.
Mostrava-nos a cada dia que um bravo não espera milagres, mas busca os
milagres. Faz acontecer.
Hoje em dia este meu filho amado é um rapagão de quase
26 anos e já está casado. Construiu um lar e vive muito bem com a esposa.
Ele veio nos mostrar tanta coisa. Pena que algumas
pessoas não entenderam suas mensagens. Eu digo que ele é a ave do amor. Uma ave
que se instalou no meu coração, que fez sua morada.
Quando pousou, tão pequenino, tão fragilzinho, nunca
podíamos imaginar o que ia se tornar um dia.
Ainda não compreendo tudo que preciso compreender, mas
ele foi um caminho. Sou apaixonada por esta ave querida que veio me mostrar o
sentido da vida.
Outras pessoas o ajudaram muito em sua trajetória. O
pai que sempre o amou intensamente; o irmão que o quer tão bem; os avós que
sempre o adoraram. Tios, tias, primos, primas e amigos. Enfim, a todos ele
conquista com seu carisma.
Na família ele é o ícone. É a referência.
Muitas vezes recordo passagens que tivemos. Eu sentia
sob meus pés cada pedra de seu caminho. Cada espinho me feria. Cada vitória
comemorava com a mesma alegria.
Hoje, ele é o herói de tantas batalhas e eu sou a mãe
que o admira, que o acompanhou passo a passo e que absorveu a sua dor e a sua
felicidade.
Minha ave do amor. Como eu a amo! Palavras jamais poderão contar de um amor tão
grande.
sonia delsin